sábado, 1 de setembro de 2007

A LEITURA E A CONSTRUÇÃO DO LEITOR EM POTENCIAL


Ah, como é importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas, muitas histórias... Escutá-las é o início da aprendizagem para ser um leitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de descoberta e de compreensão do mundo...
Fanny Abramovich



A leitura é um dos grandes, senão o maior, elemento da civilização. De acordo com Bakthin, o ato de ler é um processo abrangente e complexo de compreensão e intelecção do mundo que envolve uma característica essencial e singular ao homem: a sua capacidade simbólica de interagir com o outro pela manifestação da palavra. (BRANDÃO:1997).
Com base na concepção de Bakthin, pode-se afirmar que ler não é unicamente decodificar os símbolos gráficos, é também interpretar o mundo em que vivemos. É, ao mesmo tempo, uma atividade ampla e livre, embora não seja uma prática neutra, visto que no contato de um leitor com um texto estão envolvidas questões culturais, políticas, históricas e sociais, presentes nas várias formas de tradição. Deste modo, quando lemos, associamos as informações lidas à grande bagagem de conhecimentos armazenados em nosso cérebro e, naturalmente, somos capazes de interpretar, criar, imaginar e sonhar.
Para que isso aconteça, é necessário que haja maturidade para a compreensão do material lido, senão tudo cairá no esquecimento ou ficará em nossa memória sem uso, até que tenhamos condições cognitivas para utilizá-lo.
A leitura representa, para o leitor, a ponte entre o mundo lingüístico e o mundo real; e o convívio com a literatura permite ao homem desvelar novos propósitos de reflexão e uma apuração estética que aguça as preferências por determinadas opções de leitura.
Bom leitor, no entanto, é aquele que lê fazendo observações, analisando e aprofundando-se nas idéias apresentadas pelo autor do texto, compreendendo e construindo mentalmente sua síntese ou resumo e; que ao mesmo tempo, aperfeiçoa seus conhecimentos acerca do vocabulário, das variações semânticas das palavras, do sentido denotativo e conotativo das expressões de nossa língua empregando-os, posteriormente, na construção de um texto gramaticalmente correto.
Segundo ZILBERMAN (1987) é a posse dos códigos de leitura que muda o status da criança e a integra num universo maior de signos, o que nem a simples audição ou o deciframento das imagens visuais permitem. Apesar dos obstáculos em torno da construção do leitor em potencial - tais como a falta de acesso a livros pelas camadas populares, ou mesmo a presença constante da televisão em nossas vidas (sem exigir quaisquer esforços do recebedor) - é imprescindível sua existência e poder para a formação da consciência crítica do indivíduo-leitor.
Por que criar o hábito de ler? Questiona-se, então. De acordo com a consultora Maria José Nóbrega, de São Paulo, além de ser uma forma de entretenimento e lazer, a leitura é também uma forma de adquirir conhecimentos em qualquer área: "Lendo também nos mantemos atualizados sobre assuntos do nosso bairro, da nossa cidade, do nosso país" afirma ela.
Corroborando, CUNHA (1994) afirma que a leitura é uma forma altamente ativa de lazer. Em vez de propiciar, sobretudo, repouso e alienação, como ocorrem em formas passivas de lazer, a leitura exige não só um grau maior de consciência e atenção como também uma participação efetiva do recebedor-leitor.
Na atualidade, cabe principalmente à escola o papel de mostrar o valor da leitura e o deleite que um bom texto pode proporcionar. Entretanto, a família e a sociedade, na mesma proporção, devem assumir a tarefa de desenvolver nas crianças formas ativas de lazer – que as tornem indivíduos críticos e criativos tanto quanto conscientes e produtivos.
Partindo desses pressupostos, retoma-se o sujeito - o aluno-leitor em potencial - e o objeto de estudo - o livro - como desencadeadores do estímulo à leitura, através de uma íntima relação entre o indivíduo e sua língua materna. E instigar esse leitor em potencial é investir em sua habilidade de mergulhar e envolver-se na magia e sabedoria dos livros que alimentam e embelezam.
Ouvir e/ou ler histórias é adentrar em um mundo encantado, cheio ou não de mistérios e surpresas, mas sempre muito interessante, curioso, que diverte e ensina. Por meio dessa relação lúdica e prazerosa, da criança com a obra literária, temos uma das possibilidades de formar alunos-leitores. Além disso, a exploração da fantasia e da imaginação instiga a criatividade e fortalece a interação entre o texto e o leitor. A literatura infantil não deve, portanto, ser utilizada apenas como um "pretexto" para o ensino da leitura e para o incentivo à formação do hábito de ler. Se a obra literária estabelecer relações entre teoria e prática, tornar-se-á um objeto mediador de aquisição de aprendizagens.
Sabendo-se que a leitura é um dos mais importantes meios de se chegar ao conhecimento, torna-se necessário aprender a ler, com profundidade e não em quantidade, visto que ler é dar sentido às palavras.
Assim, saber ler é o ponto de partida para dominar toda a riqueza que um texto (literário ou não) pode transmitir, por conseguinte, bom leitor é aquele que faz uma análise do texto lido, aprofundando-se na compreensão dos detalhes e construindo seu próprio entendimento sobre o que leu.
Para LAJOLO E ZILBERMAN (1996:311) “ao espessamento das práticas de leitura, ainda que intermitente e cheio de recuos, corresponde um amadurecimento do leitor que, na inevitável interação com os múltiplos elementos de práticas mais complexas de leitura, rompe restrições, libera-se da tutela, enfim, alcança a emancipação possível”.
A suposição de que não se lê, porque não se conhecem os segredos maravilhosos do mundo da leitura, porque não se tem o estímulo apropriado ou não se tomou o gosto pela leitura, não resiste à análise isenta e sincera. O que parece necessário - mais do que campanhas promocionais de prática de leitura - é indagar, sem pré-juízos, quem, o quê, como, em que condições e por que razões ou não se lê isto ou aquilo. Em outras palavras, trata-se de verificar que fatores sociais, políticos, econômicos e culturais promovem ou desfavorecem esta ou aquela leitura. Trata-se de abandonar a postura magistral de quem sabe o que outro deve ser ou fazer e permitir que aflorem as contradições, os interesses, os valores que corroboram para as práticas leitoras na sociedade contemporânea. Trata-se, enfim, de pôr em questão tanto as leituras quanto os discursos sobre leitura, permitindo que se manifestem as práticas veladas, desautorizadas e desconsideradas.
Partindo da idéia de que o acesso democrático ao material escrito é condição básica para o incentivo à leitura, a biblioteca pública e/ou escolar apresenta-se como um espaço de sua realização e deve ser compreendida como um direito do cidadão.
Na década de 50, ao definir a criança como seu público-alvo, Monteiro Lobato já se antecipava ao que se tornou a tônica internacional da promoção da leitura: a base sólida para se formar um adulto-leitor se constrói desde a infância, através do contato com histórias contadas por adultos, do contato com livros, sem moralismos, com variedade e qualidade de temas e que expressem respeito à criança e à sua inteligência.
A sua preocupação em fazer com que o livro estivesse próximo aos seus leitores o colocou à frente de seu tempo. Do mesmo modo se antecipou, quando apresentou o livro como um produto a ser oferecido onde o potencial leitor estivesse, facilitando seu acesso. E o fez, tanto diretamente na escola, como no comércio em geral, independente das livrarias.
Embora, nos dias atuais, se tenha mais acesso à palavra escrita do que antes - seja através da escola, dos produtos de consumo ou dos meios de comunicação - a ausência desse material escrito, no dia-a-dia das pessoas, na verdade, é o empecilho mais concreto para a construção de uma sociedade leitora. Portanto, pode-se concluir que ser leitor não é uma questão de opção, mas de oportunidade.
Parafraseando Alceu Amoroso Lima, é preciso que as crianças concebam a leitura como o mais movimentado, variado, engraçado e cativante dos mundos, e se entreguem ao encantamento proveniente da leitura de um livro e quiçá difundir-se-ão aos quatro ventos os admiráveis versos de Castro Alves em “O livro e a América”:


“Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto –
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.”


Referências:

ALVES, Castro. Espumas flutuantes. In: Poesias Completas. São Paulo: Ediouro, 1870.
BRANDÃO, H. e MICHELETTI, G. “Teoria e prática da leitura.” In: Chiappini, L. (coord. geral). Aprender e Ensinar com Textos Didáticos e Paradidáticos. São Paulo: Cortez, 1997, v.2.
CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura Infantil: Teoria e Prática. São Paulo; Ática, 1994.
LAJOLO Marisa & ZILBERMAN Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1996.
____________________________ A leitura rarefeita - livro e literatura no Brasil. São Paulo, Edit. Brasiliense, 1991.
ZILBERMAN, Regina. A Literatura Infantil na Escola. São Paulo: Global, 1987.
* Artigo publicado nos sites:
. Vestibular 1, em 16/07/2006. Disponível em: <www.vestibular1.com.br/revisao/leitura_construcao.doc>
. Traça - Livraria Sebo, em 31/01/2007. Disponível em: <http://www.traca.com.br/?pag=clip20070131>
. Blog da Livraria Osório (SEBO), em 02/02/2007. Disponível em: <http://blog.livronet.com.br/index.php?op=ViewArticle&articleId=132&blogId=1>
. Via6, em 05/04/2008. Disponível em: <http://www.via6.com/topico.php?tid=170341>

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