sábado, 1 de setembro de 2007

INTERDISCIPLINARIDADE: MUDANÇA DE CONCEPÇÃO NO ENSINO


Avaliando a problemática da relação aluno X professor X escola, Hamilton Werneck, afirma: ”Ensinamos demais e os alunos aprendem cada vez menos! Aprendem menos porque os assuntos são, a cada dia, mais desinteressantes”. O tom crítico, por ele usado, encerra com soluções construtivas, uma série de enfoques sempre abordados e dificilmente enfrentados por aqueles que se interessam pela educação, sua evolução e seus problemas correlatos.
Segundo Werneck (1998:12), a “Escola” é hoje uma instituição que não evolui e impede ao máximo quaisquer avanços. Impede até mesmo os atos do “Pensar”, pela ânsia de atingir os objetivos de “Repetir”, guardando em seus muros as cicatrizes da “Reação” e da “Conservação”.
Na tentativa de esclarecer o porquê de aprenderem cada vez menos, pode-se sugerir que os assuntos abordados pela escola são, muitas vezes, desinteressantes e desligados do contexto dos fatos, assim como os objetivos propostos afastam-se da realidade que vivenciam os alunos, automaticamente, são forçados a se debruçar sobre assuntos, complexos e desprovidos de sentido, revelando a quantidade absurda de “cultura inútil” que, literalmente, “enfia-se” em suas cabeças na escola.
Ao diferenciar a “Cabeça Bem-Feita” da “Cabeça Cheia”, Edgar Morin (2001:21) afirma que uma dispõe de princípios organizadores que permitem ligar os saberes e lhes dar sentido; enquanto a outra apenas acumula o saber, sem dispor de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido. Segundo ele, com a inclusão recente de novas disciplinas ao currículo tradicional - que já traduzia um conhecimento fragmentado - tende a ser cada vez mais compartimentado, necessitando de um policiamento maior nas suas fronteiras devido ao amontoado de informações na “cabeça cheia” dos estudantes.
Por se abordar tantas inutilidades, conseqüentemente, não há tempo para um aprofundamento qualitativo do ensino - o que, certamente, é mais importante para a formação e o amadurecimento de um indivíduo - e o aluno, forçado a memorizar grande quantidade de conteúdos, à medida que o tempo passar os esquecerá; e logo nenhum registro conservar-se-á em sua mente. Permanecerá, apenas, o método por ele, empregado na organização de um trabalho intelectual ou técnico - que continuará empregando para instruir-se, por conta própria, quando necessário - e não as informações que, simplesmente, foram memorizadas em determinado período, tais como listas de nomes de presidentes da república, nomes de rios e lagos ou mesmo complicadas fórmulas matemáticas, jamais são aplicáveis à vida prática.
Werneck (1998:20), após profunda análise crítica, constata que a “interdisciplinaridade” é a grande mola para a preparação da era pós-industrial. Considera, ainda, que a supressão dos compartimentos estanques - limitadores da ação do educador - deve ser o ponto de partida da ação pedagógica nas escolas. De modo que não há como negar, por exemplo, que se abordem assuntos políticos ou sociais na aula de literatura; ou ainda, que a ecologia não está ligada à geografia, à história ou à sociologia, uma vez que essas áreas constituem dimensões de um cidadão em contínua formação e aprimoramento.
A interdisciplinaridade e a democracia pedagógica são, então, consideradas elementos facilitadores na constante busca de conhecimentos e valores a serem transmitidos pela instituição escola. Propõe-se, portanto, uma mudança na concepção de ensino, que quebre essa estrutura secular, fundamentada no isolamento das disciplinas e orientadora do trabalho de muitos professores.
Ivani Fazenda (1996:14) constata que a palavra “interdisciplinaridade” é tida como palavra de ordem das propostas educacionais atuais - não só no Brasil como no mundo. Entretanto, é empregada quase que exclusivamente no discurso, pois os professores não sabem o que realmente devem fazer com ela, sentindo-se perplexos frente à possibilidade de sua implementação na educação, visto que estão habituados a currículos organizados pelas disciplinas tradicionais, mas assegura que “perceber-se interdisciplinar é o primeiro movimento em direção a um fazer interdisciplinar e a um pensar interdisciplinar”.
Fazenda (1996:17) acrescenta que num projeto interdisciplinar “não se ensina nem se aprende: vive-se, exerce-se”. De acordo com ela, a marca desse projeto é a responsabilidade individual, que está imbuída do envolvimento com o projeto em si, com as pessoas e com as instituições a ele pertencentes. E a atitude interdisciplinar é caracterizada pela “a ousadia da busca, da pesquisa: é a transformação da insegurança num exercício do pensar, num construir”.
Segundo Marcel Proust: “uma verdadeira viagem de descobrimento não é encontrar novas terras, mas ter um olhar novo”; Jacques Lebeyrie, completa: “quando não se encontra solução em uma disciplina, a solução vem de fora da disciplina”. Com base nessas afirmações, Edgar Morin (2001:107) reafirma a necessidade da ruptura entre as fronteiras disciplinares, da invasão de um problema de uma disciplina por outra, de circulação de conceitos, para conseqüentemente fazer progredir as ciências, em outras palavras, corrobora com a prática da interdisciplinaridade.
Outro conceito, abordado por Morin (2001:115), é a “metadisciplinaridade”. O termo “meta” significa ultrapassar e conservar. ”Não se pode demolir o que as disciplinas criaram, não se pode romper todo o fechamento; há o problema da disciplina, o problema da vida; é preciso que uma disciplina seja, ao mesmo tempo, aberta e fechada.” Considerando a citação de Juan de Mairena: ”a finalidade de nossa escola é ensinar a repensar o pensamento, a ‘des-saber’ o sabido e a duvidar de sua própria dúvida; pois esta é a única maneira de começar a acreditar em alguma coisa”, Morin (2001:21) propõe a construção de conhecimentos em vaivém, que progride indo das partes ao todo e do todo às partes, conservando conhecimentos importantes e ampliando-os significativamente.
Para concluir, poder-se-ia apropriar das magníficas palavras de Durkheim (1890:38) “re-afirmando” que o objetivo da educação não é o de transmitir conhecimentos sempre mais numerosos ao aluno, mas o “de criar nele um estado interior e profundo, uma espécie de polaridade de espírito que o oriente em um sentido definido, não apenas durante a infância, mas por toda a vida”.


Referências:

DURKHEIM, Emille. L’Évolution pédagogique em France. PUF, 1890.
FAZENDA, Ivani. Práticas Interdisciplinares na Escola. – 3ª ed. - Organização Ivani Fazenda. São Paulo: Ed. Cortez, 1996.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução Eloá Jacobina. - 5ª ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
WERNECK, Hamilton. Ensinamos demais, Aprendemos de menos. – 14ª ed. - São Paulo: Ed. Vozes, 1998.
* Artigo publicado no site Vestibular 1, em 16/07/2006. Disponível em: <www.vestibular1.com.br/revisao/interdisciplinaridade.doc>

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